No começo do ano saiu Aminata, a tagarela, pelo selo Escarlate da editora Brinque-Book. Este novo projeto é mais um caso de amor com a arte africana. Falar em “arte africana” é sempre um tanto redutor, uma vez que a diversidade artística e cultural que existe em todo o continente negro é enorme. No entanto, há um fator comum a muitos povos africanos: sua arte procura, muito mais do que fazer um retrato fiel da realidade, expressar ideias, conceitos e valores culturais.


Aminata e a arte du BOGOLAN


As crianças sempre me perguntam: “de onde vêm suas ideias para escrever?” A resposta não é fácil, nem muito clara. Geralmente tudo começa com um pequeno detalhe que chama a minha atenção. Pode ser uma palavra, uma imagem, um som, um sabor... É como um estímulo que desencadeia uma “inquietação criativa” (mais ou menos consciente) que pode durar meses ou anos até resultar num livro. No caso de Aminata, a tagarela tudo começou muitos anos atrás, na França, quando vi um tecido muito rústico nas paredes da minha irmã que acabava de voltar da África. Por ser inteiramente feito à mão, as bordas do pano eram irregulares, com grossos fios de algodão e o tingimento escuro tinha um colorido muito peculiar. Quando a minha irmã disse com orgulho: “é um BOGOLAN verdadeiro” gostei da musicalidade da palavra e tentei pesquisar a respeito. Como aquilo aconteceu há mais de duas décadas (no século passado, quando ainda eu nem tinha um computador...!), não deu para descobrir muita coisa, mas a palavra BOGOLAN ficou armazenada em alguma gavetinha no fundo da minha mente. Os anos se passaram e um belo dia, enquanto eu estava fazendo uma pesquisa sobre arte africana, a palavra BOGOLAN surgiu novamente. Desta vez, a internet me possibilitou pesquisar tanto em sites africanos de língua francesa, já que o BOGOLAN é uma tradição da África Ocidental (a antiga AOF ou “Afrique Occidentale Française”, uma federação de oito países colonizados pela França de 1895 a 1958), quanto em sites de museus ocidentais, como o norte-americano SMITHSONIAN onde o vocábulo BOGOLAN (que em Bamanankan, a língua do povo Bamana, significa “feito com argila”) é traduzido como MUDCLOTH. 



BAMA, o crocodilo
Duas coisas na arte do BOGOLAN me interessaram: a fabricação em si e o simbolismo cultural. O processo de fabricação mistura conhecimentos tradicionais de botânica e de química e é fruto de uma engenhosa utilização dos recursos oferecidos pelo meio ambiente (no caso, são os óxidos de ferro presentes na lama do rio Níger que reagem ao contato do tecido previamente tingido com ngalama, uma planta medicinal que tem propriedades fixativas). Velhos e jovens, homens e mulheres, todos participam na confecção de um BOGOLANFINI (tecido tradicional do povo Bamana feito com a técnica do BOGOLAN). As mulheres cuidam de colher e fiar o algodão e os homens de tecer. São as mulheres mais experientes, verdadeiras artistas, que pintam o tecido com um repertório de desenhos que mais parece uma linguagem secreta. Alguns desses pequenos signos remetem à vida cotidiana das mulheres como “os dentes do marido ciumento”e “o travesseiro da moura” (símbolo da mulher rica que não precisa trabalhar), outros a crenças tradicionais como “o crocodilo” (considerado o gênio protetor da aldeia), ou até registram eventos históricos como “o pescoço de Koumi Diosse”, um desenho criado para homenagear um chefe que lutou contra a colonização francesa no final do século XIX, famoso pelo pescoço comprido.

travesseiro de moura
Para lutar contra o preconceito que ainda assola o Brasil, país estigmatizado por séculos de escravagismo, é preciso redescobrir e valorizar as raízes indígenas e africanas da nossa cultura. Falar de arte pode ser uma boa maneira de abordar o assunto de forma mais leve e positiva. Como professora de arte, pude constatar o quanto os alunos se encantavam ao descobrir a arte africana. Foi dessa experiência que surgiu a ideia de contar às crianças brasileiras a história de Aminata, uma menina com seus conflitos e suas esperanças, que busca (e encontra) o seu lugar no mundo graças à arte, a única linguagem capaz de tocar o coração e a mente de todos os seres humanos.






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