CONTO OU LENDA?
- no conto, a narrativa é curta, os personagens são poucos e a ação se desenrola num tempo e num espaço simbólicos, desligados da realidade. Pode ou não acontecer algum evento mágico. Muitas vezes, o conto tem um caráter pedagógico, procura ensinar valores.
- na lenda, o desenrolar da narrativa é mais complexo, há uma localização espacial e temporal dos eventos (ligados a um determinado território e a uma época precisa) e algum fundamento histórico mesclado com muita imaginação e fantasia. Pode-se dizer que as lendas nasceram para dar uma forma de resposta às inquietações das pessoas, usando o maravilhoso para explicar coisas além da compreensão humana.
CONTOS:
A SABEDORIA BEM HUMORADA DOS CONTOS AFRICANOS
Este ano a editora GLOBAL publicou a segunda edição dos meus Contos do Baobá. Lançado inicialmente em 2008, o livro mereceu em 2009 o selo “Altamente recomendável” da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil.
No primeiro conto “A lebre, o rinoceronte e o hipopótamo”, a estrela é a lebre. O pequeno animal é do tipo astuto e “bon vivant”: sempre consegue se sair bem das situações mais perigosas, com criatividade e bom humor.
Em “Anansi e o presente de Deus”, encontramos a aranha Anansi. Vários mitos africanos contam como ela ajudou Deus durante a criação do mundo, tecendo uma ponte de teias para ligar o Céu à Terra. Muito esperta, tem o defeito de ser orgulhosa. Irritado com a aranha que ousa declarar-se mais inteligente do que Deus, Ele, o próprio, decide dar-lhe uma merecida lição. Mas como Anansi é mesmo muito esperta...
"Por que os pescadores gostam do vento?” fala do Sol e da Lua, os gêmeos primordiais. A história, muito poética, explica como, de uma briga entre os dois astros, nasceram os peixes e o vento.
No último conto “O camaleão e o chimpanzé”, encontramos o sábio camaleão (outro animal tradicionalmente associado a Deus na cosmogonia africana), viajando com um chimpanzé malandro. O pacato camaleão a princípio leva a pior, mas por fim consegue dar o troco na justa medida a seu companheiro folgado...
Esse gênero de contos diverte e ao mesmo tempo ensina valores culturais. O mediador é o griot, uma mistura de músico, poeta e contador de histórias que tem uma ligação mítica com o baobá, árvore-símbolo do continente africano a quem dedico um dossiê completo ao final do livro.
A inspiração para o projeto de ilustração nasceu do colorido dos tecidos tradicionais de algodão rústico, próprios dos povos da África Ocidental .
LENDAS:
VIAJANDO AO SABOR DAS ÁGUAS ENCANTADAS
Outra reedição, desta vez pela GAIA (selo editorial da GLOBAL), Águas encantadas usa o apelo irresistível de três lendas exóticas para fazer repensar a relação homem-natureza.
Como muitos terráqueos, ando preocupada com a sociedade de consumo e seu tremendo impacto sobre o planetinha azul. As águas, tanto doces quanto salgadas, e os seres que delas precisam para sobreviver (e isto incluí o ser humano) já estão sofrendo com os efeitos da poluição e do desperdício. Após pesquisar relatos herdados de um tempo em que o homem mantinha uma relação mais harmoniosa com seu meio ambiente, encontrei três histórias tradicionais de povos muito diferentes mas com preocupações parecidas: as três lendas falam de sofrimento, cura e transformação, e da delicada ligação entre o homem e a água. Elo fisiológico, mas também espiritual e poético.
A primeira lenda, ambientada no Ártico, é sobre Sedna, a menina-sereia do povo Inuit, criadora de todos os seres marinhos. Interessante notar que a menina precisa perder os dedos para se transformar em deusa do mar, um fato que remete à evolução dos mamiferos marinhos, cujos dedos se fundiram em nadadeiras.
A segunda, do Timor Leste, conta como a amizade pura e destemida entre um garoto e um crocodilo é recompensada. Inspirada provavelmente pelos grandes crocodilos marinhos que habitavam a ilha bem antes da chegada do homem, ilha que aliás tem um formato bastante alongado que pode lembrar o animal.
Na terceira lenda, que vem da China, um menino-dragão salva seu povo da seca e de um imperador tirano. Uma teoria explica que a origem da figura do dragão estaria associada à poderosa enchente sazonal do Rio Amarelo.
Resolvi adaptar e ilustrar as três histórias e assim nasceu o livro Águas encantadas. Acrescentei uma leitura complementar com informações sobre o povo INUIT e sobre o dragão na cultura chinesa. Falo também dos animais citados nas lendas, muitos deles, infelizmente, ameaçados de extinção, por culpa das atividades humanas e das mudanças climáticas.
Antes de ilustrar, fiz uma ampla pesquisa sobre a cultura tradicional de cada povo, pois acredito que um livro pode proporcionar as emoções de uma bela viagem. Para traduzir o lirismo “aquático” presente em cada uma das histórias, trabalhei com aquarela e alguns toques de guache e lápis de cor Caran d´Ache. "Aquarelista praticante" há quase 40 anos, o que me encanta nessa técnica é o fato dos pigmentos ter vida própria. Manchas ou misturas inesperadas surgem por obra do acaso, enriquecendo e personalizando o trabalho.
Espero que a beleza e o encantamento presentes nessas três lendas possam inspirar os meus leitores (de 8 a 118 anos) a zelar pela preservação da natureza e das águas.
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