MEU LIVRO DE CABECEIRA

O MUNDO DAS IMAGENS
Nise da Silveira.
Editora Ática, 2001 (1ªed, 2ª impressão).
Capa: Obra de Emygdio datada de 1971.

Vinte anos atrás, em 1992, Nise da Silveira (1905-1999) publicou O Mundo das Imagens. Nise foi uma pioneira que lutou pela humanização da psiquiatria numa época em que o choque elétrico e a lobotomia eram prescritos sem nenhum remorso, dentro de uma visão cartesiana, como ela mesma explica, que enxergava o corpo humano como uma mera máquina. Tais tratamentos solucionavam o problema da sociedade, mas não do paciente, condenado a uma vida vegetativa.
Nise então experimentou criar no Centro Psiquiátrico de Engenho de Dentro um ambiente onde o paciente teria a possibilidade de expressar em imagens o que ele não conseguia verbalizar. Como ela mesma disse: “Um dos caminhos menos difíceis que encontrei para o acesso ao mundo interno do esquizofrênico foi dar-lhe a oportunidade de desenhar, pintar ou modelar com toda liberdade. Nas imagens assim configuradas teremos auto-retratos da situação psíquica, imagens muitas vezes fragmentadas, extravagantes, mas que foram aprisionadas no papel, tela ou barro. Poderemos sempre voltar a estudá-las.”
E sobre os internos: “Foi observando-os e as imagens que configuravam, que aprendi a respeitá-los como pessoas, e desaprendi muito do que havia aprendido na psiquiatria tradicional. Minha escola foram esses ateliers.” Graças a esses ateliers de “terapêutica ocupacional”, em 1952 já havia material suficiente para inaugurar o Museu de Imagens do Inconsciente. Nise também inovava trabalhando com “co-terapeutas animais”, cães e gatos abandonados que davam um afeto incondicional aos pacientes.
Em O Mundo das Imagens , a autora relata a trajetória de vários artistas-pacientes e comenta as suas obras. O livro é fartamente ilustrado e o leitor consegue acompanhar através das imagens a evolução de cada paciente-artista, suas melhoras, suas recaídas. As obras de Lúcio, Raphael, Isaac e Emygdio  emocionam, interpelam.
O grande mérito da autora é conseguir cativar tanto o estudioso da psiquiatria quanto da arte mas também o leigo, ou seja qualquer pessoa interessada em decifrar os mecanismos do próprio mundo interior. Como Nise demonstra em seu livro, sensações, emoções e pensamentos estão presentes durante todo o processo criativo. Com isso, a expressão artística consegue trazer à tona conteúdos do inconsciente às vezes difíceis de serem verbalizados, favorecendo dessa forma o equilíbrio psíquico do indivíduo. O leitor poderá tirar as próprias conclusões: como construirmos uma sociedade equilibrada se cada vez mais estamos nos transformando em consumidores passivos de imagens e sons?
Escrito com leveza e muito calor humano, o livro traz ainda assuntos interessantes e variados, como a análise de arquétipos e símbolos recorrentes tanto em sonhos como na arte: a dança, o gato, a cruz e a serpente. E anedotas tocantes como o fato de Charles Chaplin ter criado suas mímicas observando as de sua mãe, internada em um hospital psiquiátrico. No último capítulo, Nise reflete sobre a nova percepção da realidade trazida pelas descobertas da física e da psicologia junguiana, filosofa sobre a sociedade em mutação com a integração do princípio feminino e finaliza se questionando sobre o lugar do mal na sociedade contemporânea.
O Mundo das Imagens é um belo livro, instigante e atualíssimo.

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